
O Auditório Celso Furtado, do Centro Cultural Ariano Suassuna, ambiente do Tribunal de Contas da Paraíba, abrigou, na manhã desta sexta-feira (11), representações governamentais e de órgãos preservacionistas para discutir, frente a uma numerosa plateia, a promoção e preservação dos bens históricos, artísticos e culturais como papel da boa gestão pública.
A Conferência “Cultura, Patrimônio Cultural e Cidadania”, promoção conjunta do Tribunal de Contas da Paraíba e do Ministério Público de Contas, ali ocorreu, para tanto, depois da destinação da Medalha Cunha Pedrosa ao pintor Flávio Tavares, conforme propositura do procurador geral de Contas Marcílio Toscano Franca Filho, recém-aprovada.

A entrega coube ao presidente da Corte, conselheiro Fábio Nogueira, de quem o homenageado recebeu a primeira saudação.
Depois de enaltecer o talento de Flávio Tavares e de situá-lo como “expressão artística que ultrapassa as fronteiras do País e orgulha a Paraíba”, ele tratou dos esforços para a proteção dos bens culturais como “mais uma faceta de um Tribunal sempre na vanguarda do controle externo brasileiro”. Mas disse que tamanho avanço decorre da sensibilidade de seus pares, dos demais quadros da Casa e do Ministério Público de Contas sob a condução do procurador Marcílio Franca.
“A Constituição de 1988 nos fez avalistas das boas políticas públicas”, observou ao ressaltar o fato de o controle externo contemporâneo haver avançado, em razão disso, além do mero controle contábil e fiscal das contas públicas. Disse, ainda, da satisfação pessoal com a realização, em ambiente do TCE, de um evento que então reunia “grandes vultos das artes, das letras e da cultura paraibanas”.

“O artista hoje homenageado, que completou 75 anos no último dia 15 de fevereiro, nasceu na cidade de João Pessoa e possui uma qualificadíssima trajetória, marcada por uma produção artística singular, destacando a cultura nordestina, os personagens de nosso quotidiano, os sonhos de nossa gente, a memória afetiva de nossa sociedade, as paisagens de nossa terra e a identidade do povo paraibano. Filho e neto de artistas, seu trabalho, amplamente reconhecido em elogiadas exposições nacionais e internacionais, evidencia uma técnica refinada e uma expressividade marcante, contribui para o embelezamento de qualquer ambiente e, claro, estimula a reflexão e criatividade de todos os que com ele se maravilham”, disse, em sua saudação a Flávio Tavares o procurador Marcílio Franca.
E prosseguiu: “Quando Flávio Tavares vai expor em Berlim, em Havana ou em Lyon, joga luz sobre a discreta Paraíba e chama atenção para o talento ou a importância de tantos outros artistas, poetas, cantores, escritores, músicos, repentistas, bordadeiras, cozinheiras, artesãos, heróis, feitos históricos e produtos de exportação”.
Acerca da concessão da Medalha Cunha Pedrosa, Marcílio Franca observou: “Fernando Catão prontamente encampou a ideia e, assim, do mesmo modo veloz e entusiasmado, o presidente Fábio Nogueira e o Plenário desta Corte aprovaram-na, à unanimidade. E eis que, hoje, nos reunimos todos aqui neste auditório, em sinal de reverência e reconhecimento à magnífica contribuição de Flávio Tavares às artes visuais e à cultura do Estado da Paraíba e do Brasil e em sinal gratidão aos relevantes serviços prestados por ele a este Tribunal de Contas, concretizados, em particular, em palestras, conferências, visitas, ilustrações, desenhos, capas, e em dois grandes painéis, Canaã – Terra das Riquezas (2010), hoje na presidência da Corte, e Porto da Saudade (2002), disposto no saguão de entrada do nosso prédio principal.
Para Flávio Tavares, o ministro Cunha Pedrosa, de quem a maior honraria do TCE recebe o nome, ajudou a fazer da paraibana Umbuzeiro “um mundo mágico, uma terra solar”. Referia-se ele, ao pequeno município que ainda serviu de berço para outras elevadas expressões da vida pública brasileira, a exemplo do jornalista Assis Chateaubriand, do presidente de Estado João Pessoa e do presidente da República Epitácio Pessoa.

Em seu pronunciamento, Flávio observou que a figura de Cunha Pedrosa o remetia à do filho Mário, advogado, escritor, jornalista, crítico de arte, ativista e iniciador das atividades de oposição da esquerda internacional no Brasil liderada por Leon Trotski. Enumerou as muitas realizações de Mário Pedrosa, dentro e fora do País, nos campos da política, das artes e da cultura. E concluiu: “Esta medalha traz-me, por sua denominação, a lembrança daquele que tanto admiro”. Emocionado, ele falou do quanto se sentia entre amigos e do quanto o honrava a comenda então recebida.
Na abertura da solenidade, o conselheiro Fábio Nogueira teve a seu lado o secretário de Estado da Fazenda (Marialvo Laureano), o presidente da Academia Paraibana de Letras (Ramalho Leite) e do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba (Jean Patrício da Silva). Foram anotadas, ainda, as presenças do coordenador de atividades culturais do TCE de Minas Gerais (João Batista Miguel), do Secretário de Cultura (Pedro Santos), do promotor de Justiça (Carlos Davi Lima, em nome do procurador geral Antonio Hortêncio Rocha Neto), da diretora executiva do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico da Paraíba (Tânia Nóbrega), do presidente da Federação das Associações dos Municípios Paraibanos (George Coelho) e do diretor geral do Centro Cultural São Francisco (Padre Marcondes Meneses).

Eis, na íntegra, o pronunciamento do procurador Marcílio Franca
Beleza, não resta dúvida, é um conceito complexo. Não é por acaso que, em suas raízes etimológicas, confundem-se os adjetivos latinos “bellus, bella, bellum”, de feitio estético, e o substantivo “bellum” (guerra), que deu origem a vocábulos como “bélico” ou “belicoso”. Esse traço histórico-linguístico apenas evidencia a dificuldade que é compreender a beleza, termo que bem poderia ser alvo das considerações de Santo Agostinho: “Se ninguém mo pergunta, sei o que é; mas se quero explicá-lo a quem mo pergunta, já não sei” (Santo Agostinho, Confissões, XI, 14-17). Essa extrema dificuldade conceitual, porém, não constitui nenhum impeditivo para que hoje celebremos a beleza com Flávio Tavares e suas obras de arte.
Aliás, eu venho de uma família de engenheiros. Muitos engenheiros. Pai, sogro, irmão, vários tios, todos dedicados a calcular, construir, projetar, manutenir ou aperfeiçoar estruturas, edificações, máquinas, sistemas, materiais, processos. Mesmo frequentando o ambiente técnico da engenharia desde criança, nunca concordei com o fato de que, entre os engenheiros, o termo “obra de arte” refere-se a complexas edificações da infraestrutura de transporte, como pontes, viadutos, túneis e passarelas, algo que está muito mais afeito a um Departamento de Estradas de Rodagem do que a um museu ou a uma galeria.
Decididamente, não foi por conta desse tipo de “obra de arte de engenharia” que, há cerca de três meses, propus ao Cons. Fernando Catão que, juntos, apresentássemos um requerimento ao eg. Tribunal Pleno para a concessão da Medalha Cunha Pedrosa, a mais alta honraria desta casa ao pintor, escultor, desenhista, cenógrafo, gravador, ceramista, arqueiro, causeur e cartunista Flávio Tavares. Além de engenheiro civil, o Cons. Fernando Catão é um desenhista contumaz e um aplicado aluno de pintura – essas, sim, foram as afinidades artísticas que me levaram a procurá-lo como sócio, parceiro e coautor desta iniciativa.
Mas por que um Tribunal de Contas deveria homenagear um artista visual, entregando-lhe a sua mais elevada distinção? Tanto quanto eu consegui apurar, apenas um único artista, antes de Flávio, merecera a medalha Cunha Pedrosa: O próprio Ariano Suassuna, que dá nome a este Centro Cultural.
Bem, Siena é uma cidade italiana de cerca de 2.500 anos, localizada ao sul da região da Toscana. Siena tem, hoje, uma população de pouco mais de 50.000 habitantes, o que, entre nós, corresponderia a uma cidade de um porte entre Guarabira e Sapé. Em 2024, Siena recebeu 2 milhões e meio de turistas. Em 1309, a então cidade-estado de Siena editou a primeira carta proto-constitucional escrita no vernáculo italiano. Um dos mais antigos documentos constitucionais que o mundo conhece. A magna carta sienense, chamada de “Costituto Senese”, continha um artigo (III.291) determinando que quem governasse a cidade deveria ter em conta “massimamente la bellezza della città”, “para o prazer e deleite dos estrangeiros, para a honra, prosperidade e crescimento da cidade e seus cidadãos.”
Repito: “Para o prazer e deleite dos estrangeiros, para a honra, prosperidade e crescimento da cidade e seus cidadãos.” Com essas palavras, há 716 anos, o “Costituto Senese” antecipava, com precisão e sabedoria, as três razões pelas quais, ainda hoje, um gestor público deve se preocupar com a arte, a cultura e o patrimônio cultural de sua comunidade.
Em primeiro lugar, “para a honra da cidade e dos seus cidadãos”, ou seja, arte e cultura apresentam um valor social e favorecem as noções de coesão, pertencimento, cidadania e educação. Por exemplo, uma obra como o magnífico painel “O Reinado do Sol”, de Flávio Tavares, exposto na entrada da Estação Cabo Branco, ajuda-nos a compreender o que é a paraibanidade e o que é que nos torna a todos paraibanos.
Em segundo lugar, um gestor público deve se preocupar com a arte, a cultura e o patrimônio cultural “para o prazer e a felicidade dos estrangeiros”, ou seja, porque há nisso um valor político, uma vez que arte, cultura e patrimônio cultural servem de ferramenta de soft power, de diplomacia, de poder e prestígio internacionais, contribuindo para o diálogo entre os povos e promovendo o valor da diversidade.
Quando Flávio Tavares vai expor em Berlim, em Havana ou em Lyon, joga luz sobre a discreta Paraíba e chama atenção para o talento ou a importância de tantos outros artistas, poetas, cantores, escritores, músicos, repentistas, bordadeiras, cozinheiras, artesãos, heróis, feitos históricos e produtos de exportação.
Se nem a dimensão política nem tampouco a dimensão social mostrarem-se suficientes para convencer o gestor público à salvaguarda da arte e à proteção da cultura, o velho Costituto Senese ainda sinaliza uma terceira razão para isso: A promoção da arte e da cultura vocaciona-se “para a prosperidade e o crescimento da cidade e dos seus cidadãos”, ou seja, há ainda um valor econômico no fomento público à arte e aos artistas. Quadros, esculturas, monumentos, restaurações, leilões, galerias, marchands constituem um valioso ativo econômico, e traduzem-se em serviços, turismo, receitas públicas, economia criativa, impostos, negócios, investimentos, transferências voluntárias e empregos.
Fernando Catão prontamente encampou a ideia e, assim, do mesmo modo veloz e entusiasmado, o Presidente Fábio Nogueira e o Plenário desta Corte aprovaram-na, à unanimidade. E eis que, hoje, nos reunimos todos aqui neste auditório, em sinal de reverência e reconhecimento à magnífica contribuição de Flávio Tavares às artes visuais e à cultura do Estado da Paraíba e do Brasil e em sinal gratidão aos relevantes serviços prestados por ele a este Tribunal de Contas – concretizados, em particular, em palestras, conferências, visitas, ilustrações, desenhos, capas, e em dois grandes painéis, ”Canaã – Terra das Riquezas” (2010), hoje na presidência da corte, e “Porto da Saudade” (2002), disposto no saguão de entrada do nosso prédio principal.
O artista hoje homenageado, que completou 75 anos no último dia 15 de fevereiro, nasceu na cidade de João Pessoa e possui uma qualificadíssima trajetória, marcada por uma produção artística singular, destacando a cultura nordestina, os personagens de nosso quotidiano, os sonhos de nossa gente, a memória afetiva de nossa sociedade, as paisagens de nossa terra e a identidade do povo paraibano. Filho e neto de artistas, seu trabalho, amplamente reconhecido em elogiadas exposições nacionais e internacionais, evidencia uma técnica refinada e uma expressividade marcante, contribui para o embelezamento de qualquer ambiente e, claro, estimula a reflexão e criatividade de todos os que com ele se maravilham.
Não foram outros os motivos pelos quais, no ano passado, tendo que escolher um presente para levar ao Papa Francisco, durante uma audiência com sua Santidade na Praça de São Pedro, decidi-me por levar-lhe um “São Francisco Amazônico”, concebido por Flávio Tavares, hoje no acervo do Vaticano. Um tributo à paz, à ecologia, à cultura dos povos originários da nossa terra e ao querido santo italiano, homônimo do Papa, pintado com os tons de nossa paisagem e de nossa gente.
Em 1999, um outro Papa, João Paulo II escreveu uma “Carta aos Artistas”. Naquele precioso documento ético e estético, o Sumo Pontífice observou, que a beleza que os artistas transmitem às gerações futuras aviva nelas o assombro e “diante da sacralidade da vida e do ser humano, diante das maravilhas do universo, o assombro é a única atitude condigna. (…) Os homens de hoje e de amanhã têm necessidade deste entusiasmo, para enfrentar e vencer os desafios cruciais que se prefiguram no horizonte. Com tal entusiasmo, a humanidade poderá, depois de cada extravio, levantar-se de novo e retomar o seu caminho.”.
É absolutamente desnecessário falar do assombro que nos causa a obra de Flávio Tavares. Intelectuais, artistas e críticos de peso como Carlos Newton Júnior, Gabriel Bechara, Luís Augusto Crispim, Risoleta Córdula, Jacob Klintowitz, Hildeberto Barbosa Filho, Eudes Rocha Jr., Madalena Zaccara, Elvira Vernaschi, Ziraldo, Jürgen e Maria do Carmo Vogt, além de tantos outros, já o fizeram com arrebatamento e maestria.
Uma ínfima amostra de seu dom, vocação, destreza e maestria pode ser vista nas quatro obras de Flávio Tavares, expostas na entrada deste auditório. Todas e cada uma delas testemunham o seu imenso talento e o papel importantíssimo que a sua arte desempenha no seio da nossa sociedade. Uma a uma, as telas, com sua figura central e atmosfera únicas, podem ser interpretadas como um espelho que reflete as diversas facetas da experiência humana e a capacidade da arte de transcender o mero visível.
A primeira imagem, à esquerda, com sua figura de porte régio e olhar direto, cercada por elementos que parecem tanto míticos quanto orgânicos, sugere a força da tradição e a presença do passado em nosso presente. Ela nos lembra que a arte, assim como a memória, é um alicerce sobre o qual construímos nossa identidade coletiva, um repositório de histórias e valores que moldam nossa percepção do mundo.
A segunda tela, com sua figura envolta em um manto esverdeado, transmitindo uma serenidade quase monástica, evoca a introspecção e a busca por um sentido mais profundo. Tal como essa obra nos convida à contemplação, a arte de Flávio nos permite explorar as paisagens interiores da existência humana.
A terceira obra, vibrante e dinâmica como um pássaro, com sua figura feminina em uma pose que sugere movimento ou uma narrativa em desdobramento, mostra a capacidade da arte de capturar a complexidade da vida em suas múltiplas nuances instantâneas. Ela nos lembra que a arte é um diálogo constante com o tempo, um registro das transformações sociais, culturais e emocionais que nos definem, ou um convite a novas transformações.
Finalmente, a quarta obra, ligeiramente menor em dimensão, mas não menos impactante, com sua composição crepuscular e mais íntima, talvez num tom quase melancólico, nos fala da fragilidade e da beleza contida na efemeridade, a partir de um diálogo entre pintura e escultura. A arte, nesse sentido, atua como um bálsamo, oferecendo inspiração e esperança.
Em conjunto, essas quatro obras de Flávio Tavares ressaltam, de novo, que a arte não é um mero adorno ou um luxo dispensável. A arte é, na verdade, uma necessidade vital. Em 2003, durante uma entrevista para a agência Reuters, em Paraty, o então ministro da cultura Gilberto Gil afirmou que “a cultura é igual a feijão com arroz. É necessidade básica. Tem que estar na mesa, tem que estar na cesta básica de todo mundo. E para isso é preciso que haja assim ainda uma conscientização muito grande, porque muita gente, inclusive muitos dos governantes, acham que a cultura é uma coisa excepcional […] A responsabilidade com a cultura é a responsabilidade com a sua própria vida, porque tudo é cultura!” Tinha toda razão Gil: entre tantas outras coisas, a arte é essencial porque questiona, provoca, emociona e, acima de tudo, conecta. Ela nos permite transver o mundo com novos olhos, compreender diferentes perspectivas e, ao fazer isso, enriquece nossa existência, fomentando a empatia, a alteridade, a criatividade e o pensamento crítico.
As muitas contribuições do multiartista Flávio Tavares ao Tribunal de Contas e à cultura paraibana nos fazem recordar a sempre oportuna citação do mecenas e colecionador norte-americano David Rockefeller: A beleza não é, evidentemente, uma solução para os problemas urgentes da fome, da pobreza e dos conflitos que afligem o mundo atual (…). [Mas] as possibilidades criativas apresentadas pela beleza e pela arte podem sempre nos inspirar a buscar abordagens igualmente criativas para alcançar uma sociedade livre, justa, solidária e harmoniosa.
Muito obrigado, Flávio, por semear beleza e esperança em nosso quotidiano.