Por ASCOM/TCE

O GLOBO – A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, disse nesta terça-feira (21), que escritórios de advocacia cobram honorários de 30% em cima de recursos destinados à educação, e que o Ministério Público não deve permitir a destinação do dinheiro a essas bancas de advogados. A afirmação de Dodge foi feita na sede da Procuradoria Geral da República (PGR), num evento que reuniu todos os procuradores-gerais de Justiça — os chefes dos MPs estaduais — e procuradores da República.
O encontro tratou do direito que 3,8 mil municípios têm de receber pelo menos R$ 90 bilhões, valor correspondente a uma diferença que a União deixou de repassar ao antigo Fundef, hoje Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Essas cidades estão em 19 estados.
Em 2015, uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal na Justiça Federal em São Paulo, com pedido de repasse do dinheiro aos municípios, transitou em julgado, ou seja, chegou ao fim sem a possibilidade de novos recursos. Desde então, escritórios de advocacia vêm sendo contratados por prefeituras e recebem parte do dinheiro que, na visão do MPF, deve ser destinado exclusivamente à educação básica.
— A questão mais urgente é: se essa Ação Civil Pública foi ajuizada para que nenhum centavo fosse aplicado fora do serviço de educação, como é que permitiremos que os municípios contratem escritórios de advocacia que cobram em média 30% de honorários sobre exatamente esses R$ 90 bilhões para fazer que o dinheiro chegue ao município? É mais ou menos como uma ‘vitória de Pirro’. Nós ganhamos mas não levamos todo o dinheiro para a educação — disse Dodge.
Reportagem publicada pelo GLOBO em julho revelou a ofensiva de bancas de advocacia sobre esse dinheiro do Fundef e a contraofensiva da procuradora-geral, que coloca essa questão como a mais importante do Ministério Público para o próximo ano.
A reportagem mostrou que os honorários cobrados estavam na ordem dos 20%. Agora, Dodge citou um percentual de 30%. A fatia foi confirmada pelo presidente do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais (CNPG), Benedito Torres, chefe do MP de Goiás.
— Uma das questões que nos preocupam muito é justamente a questão dos honorários, como disse a doutora Raquel. Escritórios recebendo até 30% de honorários em relação a isso. Se você tem um montante de R$ 90 bilhões, só de honorários seriam R$ 27 bilhões — disse Benedito.
Num parecer assinado por Dodge em maio, ela defendeu que os precatórios gerados sejam gastos exclusivamente na educação básica, “sem a possibilidade de ser gasta parte da verba para pagamento de honorário advocatício”. Em agosto do ano passado, o Tribunal de Contas da União (TCU) já havia decidido ser inconstitucional o uso de parte dos recursos para pagamento de honorários.
O TCU detectou que um único escritório arregimentou mais de cem prefeituras no Maranhão e poderia faturar R$ 1,4 bilhão. Um protocolo de entendimento assinado nesta terça, no evento na PGR, reforçou que o dinheiro deve ir “exclusivamente” para educação básica, “de modo a que não incidam honorários advocatícios”.
A procuradora-geral afirmou ainda que tratou do assunto com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, em evento na segunda-feira no Supremo. Dodge ouviu de Cármen que o montante envolvido supera os R$ 90 bilhões:
— Ontem (Segunda-feira) tivemos um evento no STF, tratei desse assunto com a ministra Cármen Lúcia. Ela me assinalou que já havia dado decisões em alguns pedidos de suspensão de liminar, e que a conta feita pela contabilidade do STF é que o assunto remonta a R$ 100 bilhões. A conta do Supremo é maior que a do MPF.
Na reportagem publicada pelo GLOBO em julho, o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Claudio Lamachia, defendeu os honorários cobrados pelos escritórios. Segundo ele, a OAB é “intransigente na defesa das prerrogativas e dos honorários da advocacia, tanto em causas simples como nas mais complexas”.
— É grave ofensa à advocacia e ao direito constitucional à remuneração pelo trabalho qualquer medida que vise a criminalizar o serviço efetivamente prestado por advogados que atuam, há mais de uma década, em favor de municípios em ações individuais sobre o Fundef. Graças ao trabalho desses profissionais, a população carente será beneficiada — defendeu.
Segundo Lamachia, muitos municípios optaram por contratar advogados para executar os títulos, o que demanda pagamento de honorários.
— A verba líquida que entra nos cofres dos municípios é vinculada à educação. Mas essa vinculação não atinge os honorários advocatícios e, portanto, não impede que sejam destacados nos precatórios e pagos a quem viabilizou o recebimento dos créditos — sustentou o presidente nacional da OAB.
Por Bruno Góes
O Globo
(22/08/2018)